quarta-feira, 26 de maio de 2010

O Grande e o Pequeno - Adriana Falcão

Li este texto há alguns anos atrás, não lembro quanto tempo ao certo, mas fiquei encantada pela forma que apresentou o Grande e o Pequeno! Leiam com atenção. Foi escrito pela GRANDE Adriana Falcão!



Todo Caso de Amor tem sempre um grande e um pequeno

Alguém um dia falou, em francês, que em todo caso de amor "il y a toujorrs celui qui aime et celui qui se laisse aimer". É mais ou menos a mesma coisa. O pequeno ama, o grande se deixa amar. O grande fala, o pequeno ouve. O grande discorda, o pequeno concorda. O pequeno teme, o grande ameaça. O grande se atrasa, o pequeno se antecipa. O grande pede, ou nem precisa pedir, e o pequeno já está fazendo.

Não é uma questão de gênero. Existem homens pequenos e homens grande, mulheres grandes e mulheres pequenas. O temperamento as circunstâncias influem, mas não determinam. O grande pode ser o mais bem-sucedido dos dois ou não. O pequeno pode ser o mais sensível, porém nem sempre é assim. Muitas vezes, o grande é o mais esperto, mas existem pequenos espertíssimos. Depende do caso.

Como ninguém descobriu até hoje uma regra que permitia determinar qual é o grande e o qual é o pequeno, só observando o casal mais atentamente.

Na rua, o que anda distraído quase sempre é o grande. Quase sempre no cinema, o grande só decide comprar pipoca depois que os dois já estão acomodados nas poltronas. O pequeno então fica esperando, vigiando, tomando conta para o filme não começar antes de o grande voltar, o que, por algum motivo, seria uma tragédia.

Numa festa, o pequeno deve estar ansioso para que a noite seja boa, principalmente se foi ele quem sugeriu o programa. O grande se comportará de maneira indiferente até se deixar embriagar pela música, pela bebida ou pelo ambiente, quando então ficará muito mais animado que o pequeno. Mesmo que o pequeno dance bem, o grande sempre dançara melhor. O pequeno evita o silêncio porque tem certeza de que a culpa é dele, por isso sempre tem arquivados na cabeça assuntos que possam ser úteis em todas as ocasiões. A calça nova do pequeno dificilmente lhe cai tão bem quanto a do grande, assim como o cabelo do grande está sempre melhor que o do pequeno, ainda que a festa inteira pense exatamente o contrário. O pequeno geralmente se comove com a lua, calado enquanto o grande aponta: olha só a lua. No final da festa, é sempre o pequeno que quer ir embora, reservando o melhor de sua alegria para o resto da noite, enquanto o grande se despede dos amigos displicentemente. Mais tarde, o pequeno é macho, é gueixa, é desgraçado, é exclusivo, e, se o coração do grande por acaso ouvir seus gritos, sorte. No dia seguinte o pequeno estará inevitavelmente preocupado: será que fiz tudo certo? Acho que eu não deveria ter dito aquilo. Por que toda vez sou eu que beijo primeiro? Na dúvida, vai correndo procurar o grande, apesar de ter se prometido que nunca mais faria isso.

O grande e o pequeno podem ser de qualquer espécie, inclusive bichos, com exceção dos gatos, que são todos grandes.

Não necessariamente formam um casal. Não é só nas histórias de amor que existem grandes e pequenos. Havendo mais de um, um par qualquer, dois adversários, dois irmãos, dois amigos, sempre haverá o que quer mais e o que quer menos, o fascinante e o fascinado, o generoso e o pedinte.

Mas, como tudo pode acontecer, senão nada disso ia ter graça, a qualquer momento, por alguma razão, geralmente à noite, imprevisivelmente, o grande pode ser ficar pequeno e o pequeno ficar grande de repente. Basta um vacilo, um acaso, um cair de tarde, um olhar mais assim, um furacão, uma inspiração, uma impudência.

Quando isso acontece é comum o pequeno ficar maior ainda, o que torna automaticamente o grande ainda menor. O ex-pequeno, logo que é promovido a grande, pode se vingar do ex-grande, se seu sofrimento tiver boa memória. Aí, coitado do novo pequeno, vai se arrepender de cada não beijo, cada não telefonema, cada não noite de insônia, cada não desespero, cada não entusiasmo, cada não carinho inesperado, indispensável, inevitável, imprescindível, cada não todas as palavras apaixonadas em qualquer língua do mundo. Ele vai se surpreender com a reviravolta no começo, mas vai se conformar com sua nova condição de pequeno em seguida. E então vai seguir, cuidadoso e desastrado, na quase inútil intenção de conquistar o grande urgentemente.

Adriana Falcão

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